quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

QUARENTA ANOS

Escrevi quando fiz quarenta... Achei nos meus arquivos e trouxe pra cá, dois anos depois.



Cresci lendo Paulo Francis e vendo seus comentários à noite na TV, com seus hiatos e ditongos estendidos, parara encerrar as frases em queda brusca, numa entonação que só ele tinha. Também me lembro de Ibrahim Sued, num cenário de Globo Repórter com Nacional Geografic, ademã que eu vou em frente. Também vi Clodovil e seus desenhos alongados, na TV Mulher com trilha de Rita Lee, mulher é bicho esquisito, todo mês sangra, ancorada por Marília Gabi Gabriela e Ney Gonçalves Dias. Tá, tá, tá... também vi Paula Saldanha e seus cabelos escorridos na TV Globinho e, yes, cantei Mio e Mao, Barbapapa e marmelada de marmelo, no tempo em que a Cuca Dorinha Duval se retirou de cena por matar o marido. Mas quem ama não mata, separa. E vi Malu Mulher começar de novo e contar consigo, e com a Narjara Tureta, que acabou vendedora de suco no Rio. Mas ninguém fez mais a cabeça da minha geração do que a dupla Cristina Franco e Beth Lima no Ponto de Vista, chamado com ginga por Leda Nagle, todo sábado na hora do almoço. Aquilo era moderno. Taão moderno como Francis nos estúdios de Nova York, Central Park ao fundo. O mesmo Francis que escreveu, em 1991, para o suplemento Cola do Estadão, uma lista com os livros que ele considerava mínimos para alguém ter cultura. Chequei a lista e tiquei uns dois ou três. Não li os clássicos, só aqueles por obrigação. Gostava mesmo era de ver televisão. O cinto de inutilidades, todo dia é dia, toda hora e hora... Amigo e companheiro. De ver os desenhos e de chorar com os gingles. Quero ver você não chorar, não olhar para trás, nem se arrepender do que faz. Quero ver o amor nascer e se a dor crescer você resistir e sorrir. Eu quero ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar, dizia o rei Roberto Carlos em toda véspera de Natal. Aquele especial de 24 de dezembro era tão sagrado quanto a São Silvestre à meia-noite do réveillon, com a Paulista toda iluminada. Francis não correu maratonas. Mas deu um baile na linguagem, no jeito de ver e de falar das coisas. Cresci lendo Francis. Fora ele, eu era mais o boa noite do Cidão Moreira e os documentos que atestava Censura Livre e tradução Herbert Richards, São Paulo. O que será que Francis acrescentaria em sua lista original de lá pra cá? Paulo Coelho? Eguinha Pocotó? A bananada de banana continua no ar, mas não se fazem mais Cucas viscerais e doidas como antigamente. Quem ama não mata, e hoje vemos Doca Street, falando em dor para o Geneton Moraes Neto, que acha que faz as perguntas mais inteligentes do mundo. Vá ler Francis, meu amigo. Vá ler Mencken. Veja Mainardi. Quem quer polêmica bate duro e não assopra. Da lista de Francis tirei Thomas Mann e convalesci lendo A Montanha Mágica. Très jolie. Empaquei nas páginas em francês, mas agora prometo retomar. Je sui desolé, mas estou aprendendo, enfim, a falar francês. Não serve para nada, mas me prometi que leria Mann até o final, e não morro sem fazer isso. Vou dispensar o Herbert Richards desta vez. Não quero versão brasileira. Não vejo mais televisão, só o estritamente necessário. Necessário é seguir o conselho do Francis. Mas, meu caro, será mesmo que eu preciso mesmo ler a Teoria da Física Quântica? Dá pra pular esse pedaço? Pena que vida não vem com tecla foward. Se naquele tempo pudesse dar um FF, teria desligado a TV e ido estudar mais, e mais cedo. Mas nunca é tarde, certo (né João)? Sorry, periferia. Ademã que eu vou em frente. “Eu te amo meu Brasil, eu te amo; ninguém segura a juventude do Brasil.” Aff! Será que não tinha trilha sonora melhor para embalar o ufanismo da ditadura? Poderiam ter usado ‘o barquinho vai, a tardinha cai’. É mais nosso jeito, a nossa cara. Uma coisa carioca, um gringo em Nova York, um apê de aluguel na Vieira Souto, e Chico em Budapeste, pro dia nascer feliz. Beijo pro maluco do Cazuza e para a doida da Eller. Viva o povo brasileiro, eu adoro os viscerais. Bye, bye queridos, que o tempo não pára. Se ninguém acha que eu sou careta, eu sou manchete popular. Estou cansada dessa falta do que falar. Pai, afasta de mim esse cálice, de vinho tinto de sangue. Tragar a dor engolir a labuta, de que me vale ser filho da santa, melhor seria ser filho da outra. Ops, classificação 14 anos. Sai da Sala que a Dona Redonda vai explodir, o Juca de Oliveira tem asas, Sonia Braga é o estopim da bomba e nós continuamos vivendo, todos, na mesma Saramandaia. Chame o síndico! Chame o Odorico Paraguassu! Inaugure o cemitério que quero morrer virgem. Me embriagar antes que alguém me esqueça. Um beijo na Cecília, na Marília, nas crianças. O Francis aproveita pra também mandar lembranças. A todo pessoal, adeus.

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